Conhecido e reconhecido como um compositor capaz de colocar em cada sentença, em cada frase e em cada contexto a palavra certa, Chico Buarque de Hollanda foi considerado um verdadeiro líder, coube a ele a utilização da palavra como instrumento de luta e de protesto num período onde a Censura ceifava e queimava nas fogueiras dos atos institucionais o espírito critico de toda uma geração. Apesar das perseguições Chico manteve acessa a chama da consciência e da dignidade humana.
Em meados do século XX, as cidades brasileiras entraram numa nova fase histórica, sendo palco das transformações ocorridas pelos efeitos produzidos na industrialização, na internacionalização da cultura e do capital, cujos núcleos estruturais foram justamente os grandes centros. O duplo movimento da cidade despertou em Chico Buarque o observador, o flâneur, o homem da multidão que passeia pelas ruas a observar a paisagem urbana. Por um lado, é nos grandes centros que se concentram as funções mais avançadas do capitalismo descrita nos versos da canção “As Vitrines”, onde o mundo do fetiche e do consumo se funde ao medo e a insegurança que passaram a dominar a vida urbana na pós-modernidade. Por outro, as cidades tornam-se objetos de intensos fluxos de população e de uma profunda redistribuição de renda: seja nos bairros nobres, com uma formação de uma elite global móvel e altamente profissionalizada, seja nos bairros populares, com a ampliação dos cinturões periféricos que hoje as circundam, onde se junta uma grande quantidade de população deserdada. Em resumo, a cidade socialdemocrata que se afirmou no pós-guerra torna-se ameaçada em suas fundações, pois o tecido social é submetido a intensas pressões que produzem uma verticalização crescente: onde os ricos tendem a se tornar ainda mais ricos, desfrutando as oportunidades disponibilizadas pela ampliação dos mercados, enquanto os mais pobres afundam na miséria, destituídas de sistemas de proteção social, da ausência de políticas públicas e da falta de compromisso dos seus governantes.
O efeito desse duplo movimento é presente na vida cotidiana dos moradores das cidades contemporâneas: os bairros centrais são valorizados e tornam-se objetos de grandes investimentos urbanísticos, já outras áreas são corroídas pela degradação e tornam-se marginais, locais estes versados na canção “Geni e o Zepellin”, onde Chico Buarque discutiu a pobreza, a diversidade sexual, o preconceito, os poderes ali dominantes e de como tudo cai por terra quando o medo e o interesse falam mais altos.
Em decorrência da dinâmica estrutural a que estão sujeitas as cidades, não surpreende que alguns explorem o medo, transformando-o na base de uma política de controle e repressão. A curto prazo, o jogo parece funcionar: a ação repressora e as reivindicações comunitárias servem apenas para tornar tolerável uma transformação que se processa fora de qualquer controle. Para que possamos reconstruir equilíbrios socialmente aceitáveis, precisamos de tempo, paciência, empenho da sociedade e competência e vontade dos governos.
Fortaleza hoje é uma cidade global, embora não pareça se dar conta disso. Inserida nas grandes rotas turísticas, nossa cidade é um dos centros mais importantes do Brasil e constitui um núcleo estratégico com inúmeras áreas de atividade: desde do simples passeio turístico pelas suas belas praias a mais avançada inovação da alta costura.
Tradicionalmente, Fortaleza é uma daquelas cidades que possui um grau relativamente alto de integração social. Não lhes faltam problemas. Nos últimos anos os índices de pobreza aumentaram consideravelmente e com isso algumas áreas periféricas começaram a sofrer um processo evidente de degradação. Da mesma forma, sabemos que crescem os processos de marginalização dos mais pobres: os desempregados por longos períodos, psicologicamente fragilizados, a prostituição e os sem tetos. Cidadãos tratados como empecilho, como estorvo pratica comum nas grandes cidades. E Fortaleza não foge a regra.
Uma das qualidades das reflexões que Chico Buarque oferece nos versos de suas canções é a capacidade de jamais fechar o discurso, deixando sempre aberto o campo das possibilidades para longos e proveitosos debates. E nesse sentido Chico é um compositor efetivamente urbano que mostra dentro da sua arquitetura poética todas as faces da cidade sem se intimidar de incomodar os poderosos e o sistema dominante. “É um poeta moderno que arrasta a tradição” no imenso bloco carnavalesco que ele mesmo denominou de “Sanatório Geral”, dando vida a personagens fictícios tão vivos, tão reais, como: Juca o cidadão relapso do Brás, o operário Pedro Pedreiro, a prostituta Ana de Amsterdã, a lésbica Bárbara, o homossexual Geni e a senhorita da janela Carolina. Todos envolvidos e levados pela grande festa, pela folia e a euforia do carnaval, deixando suas marcas e suas histórias registradas nos paralelepípedos das velhas cidades e na memória coletiva do povo brasileiro.
Afinal: tudo vai passar....
Muito obrigada!!!