A BANDA
(1966)
Eu estava à toa na vida
O meu amor me chamou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
A minha gente sofrida
Despediu-se da dor
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
O homem sério que contava dinheiro parou
O faroleiro que contava vantagem parou
A namorada que contava as estrelas parou
Para ver, ouvir e dar passagem
A moça triste que vivia calada sorriu
A rosa triste que vivia fechada se abriu
E a meninada toda se assanhou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou
Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou
A moça feia debruçou na janela
Pensando que a banda tocava pra ela
A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu
A lua cheia que vivia escondida surgiu
Minha cidade toda se enfeitou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
Mas para meu desencanto
O que era doce acabou
Tudo tomou seu lugar
Depois que a banda passou
E cada qual no seu canto
Em cada canto uma dor
Depois da banda passa
Cantando coisas de amor.
4. VER, OUVIR E DAR PASSAGEM:
A banda entra na cidade sem ser anunciada e envolve seus moradores na festa, transportando-os a um mundo imaginário e um tempo mágico do qual somente a música tem o poder de proporcionar. A segunda narra um acontecimento esperado, cíclico. Na festa do carnaval há uma preparação prévia, a cidade é transformada para o evento e seus habitantes esperam ansiosos a chegada do grande dia, em que eles,também, se transformam através das máscaras e das fantasias, esquecendo os problemas do cotidiano e liberando todos os desejos reprimidos.
Quando compôs A Banda, em 1966, Chico Buarque era um jovem de 22 anos de idade, a canção foi vencedora do II Festival da TV Record. Interpretada por Nara Leão dividiu o primeiro lugar com Disparada, de Geraldo Vandré. A partir daí, a vida de Chico Buarque começou a mudar, ele ficou conhecido nacionalmente, tornando-se unanimidade nacional, na opinião de Millôr Fernandes (FERNANDES, 2004). E os elogios não pararam por aí, houve manifestações por parte de grandes nomes de intelectuais e escritores brasileiros. Alguns dias depois da canção ser premiada, Carlos Drummond de Andrade, publica uma crônica no Correio da Manhã:
"A felicidade geral com que foi recebida à passagem dessa banda tão simples, tão brasileira e tão antiga na saudação lírica, que um rapaz de pouco mais de vinte anos botou na rua, alvoroçando novos e velhos, dá bem a idéia de como andávamos precisando de amor." (FERNANDES, 2004, P.27).
Depois foi a vez de Nelson Rodrigues, em O Globo, fazendo também um breve comentário: “Ao ouvir a marchinha genial de Chico, tive vontade de sair de casa, de sentar-se no meio- fio e começar a chorar.” (FERNANDES, 2004, P.27).
"Rubem Braga também se manifestou, considerando Chico Buarque naquele momento um dos mais importantes compositores da Música Popular Brasileira. E conclui, comovido: “A Banda é algo que todo mundo entende e que emociona todomundo... é uma boa crônica, cheia de poesia.” (FERNANDES, 2004, P.27).
Como não poderia deixar de ser, Vinícius de Moraes, amigo íntimo da família de Chico Buarque e o principal letrista da Bossa Nova, saudou o jovem compositor, dizendo:
"Chico Buarque é um fenômeno que alcança justamente aquilo que nós do movimento da Bossa Nova vínhamos tentando há longo tempo: a união verdadeira da cultura com o povo." (FERNANDES, 2004, P.121).
A Banda chegou destinada a romper o silêncio do cotidiano e fazer falar às verdades que os homens teimam em calar, fazendo considerações líricas sobre pequenos acontecimentos do dia-a-dia. Chico Buarque possibilita a seus ouvintes e aos moradores da cidade ingressar no paraíso perdido, numa produção espontânea e ingênua de um jovem com pouco mais de vinte anos, que fez o Brasil inteiro ver, ouvir e dá passagem.