Geni e o Zepelin



GENI E O ZEPPELIN


(1977-1978)



De tudo que é nego torto

Ela já foi namorada

O seu corpo é dos errantes

Dos cegos, dos retirantes

É de quem não tem mais nada

Dá-se assim desde menina

Na garagem, na cantina

Atrás do tanque, no mato

É a rainha dos detentos

Das loucas, dos lazarentos

Dos moleques do internato

E também vai amiúde

Com os velhinhos sem saúde

E as viúvas sem porvir

Ela é um poço de bondade

E é por isso que a cidade

Vive sempre a repetir

Joga pedra na Geni

Joga pedra na Geni

Ela é feita pra apanhar

Ela é boa de cuspir

Ela dá pra qualquer um

Maldita Geni.
Um dia surgiu, brilhante

Entre nuvens, flutuante

Um enorme Zeppelin

Pairou sobre os edifícios

Abriu dois mil orifícios

Com dois mil canhões assim

A cidade apavorada

Se quedou paralisada

Pronta pra virar geléia

Mas do Zeppelin gigante

Desceu o comandante

Dizendo – Mudei de idéia

- Quando vi nesta cidade

Tanto horror e iniqüidade

Resolvi tudo explodir

Mas posso evitar o drama

Se aquela formosa dama

Esta noite me servir

Essa dama era Geni

Mas não pode ser Geni

Ela é feita pra apanhar

Ela é boa de cuspir

Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni.

Mas de fato, logo ela

Tão coitada e tão singela

Cativara o forasteiro

O guerreiro tão vistoso

Tão temido e poderoso

Era dela, prisioneiro

Acontece que a donzela

- E isso era segredo dela

Também tinha seus caprichos

E a deitar com homem tão nobre

Tão cheirando a brilho e a cobre

Preferia amar com os bichos

Ao ouvir tal heresia

A cidade em romaria

Foi beijar a sua mão

O prefeito de joelhos

O bispo de olhos vermelhos

E o banqueiro com um milhão

Vai com ele, vai Geni

Vai com ele, vai Geni

Você pode nos salvar

Você vai nos redimir

Você dá pra qualquer um

Bendita Geni.
Foram tantos os pedidos

Tão sinceros, tão sentidos

Que ela dominou seu asco

Nesta noite lancinante

Entregou-se a tal amante

Como quem dá-se ao carrasco

Ele fez tanta sujeira

Lambuzou-se a noite inteira

Até ficar saciado

E nem bem amanhecia

Partiu numa nuvem fria

Com seu Zeppelin prateado

Num suspiro aliviado

Ela se deitou de lado

E tentou até sorrir

Mas logo raiou o dia

E a cidade em cantoria

Não deixou ela dormir

Joga pedra na Geni

Joga bosta na Geni

Ela é feita pra apanhar

Ela é boa de cuspir

Ela dá pra qualquer um

Maldita Geni


3. DO MANGUE AO CAIS DO PORTO:
A canção Geni e o Zeppelin é integrante do disco 2, título do álbum com a trilha sonora da peça da qual, Geni, é um dos personagens. Um homossexual que de dia é Genival e de noite é Geni.
Na canção esses aspectos das cidades são abordados por Chico Buarque de forma simbólica, numa perspectiva surreal-alegórica dentro dos moldes brasileiros da época em que a canção foi lançada. A história apresenta certo paralelo com o famoso conto Bola de Sebo, do escritor francês Guy de Maupassant que se passa na Paris do Século XIX, o autor narra à fuga de importantes membros da sociedade burguesa, do clero e uma prostituta que saem da cidade em uma carruagem fugindo do Exercito Prussiano que invade Paris. Chico Buarque traz esse conto a realidade brasileira da década de 1970.